- Empresas optantes pelo Lucro Real -
A discussão acerca da tributação federal sobre benefícios fiscais relacionados ao ICMS, com base no seu enquadramento como subvenção para “custeio” (tributada) ou subvenção para “investimento” (não tributada) remonta a década de 1970, mas teve orientação consolidada após a edição da Lei Complementar nº 160/2017.
Isto porque, com a publicação da referida norma, que inseriu os §§ 4º e 5º no artigo 30 da Lei nº 12.973/2014,os incentivos e os benefícios fiscais ou financeiros-fiscais relativos ao ICMS, concedidos pelos Estados e Distrito Federal passaram a ser considerados subvenções para investimento, de forma a permitir que tais valores deixassem de ser computados na determinação do lucro real, desde que observados os requisitos e as condições impostas pelo art. 30, da Lei nº 12.973, de 2014:
Art. 30. As subvenções para investimento, inclusive mediante isenção ou redução de impostos, concedidas como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos e as doações feitas pelo poder público não serão computadas na determinação do lucro real, desde que seja registrada em reserva de lucros a que se refere o art. 195-A da Lei no 6.404, de 15 de dezembro de 1976, que somente poderá ser utilizada para:
I - absorção de prejuízos, desde que anteriormente já tenham sido totalmente absorvidas as demais Reservas de Lucros, com exceção da Reserva Legal; ou
II - aumento do capital social.
(...)
§ 4º Os incentivos e os benefícios fiscais ou financeiros-fiscais relativos ao imposto previsto no inciso II do caput do art. 155 da Constituição Federal, concedidos pelos Estados e pelo Distrito Federal, são considerados subvenções para investimento, vedada a exigência de outros requisitos ou condições não previstos neste artigo.
§ 5º O disposto no § 4º deste artigo aplica-se inclusive aos processos administrativos e judiciais ainda não definitivamente julgados.”
Ou seja, com o advento da Lei Complementar nº 160/2017, as empresas podem considerar os valores decorrentes de benefícios fiscais do ICMS, tais quais definidos na Lei Complementar nº 24/1975, como subvenção para investimento, excluídos tais valores da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, desde que registrada na conta Reserva de Lucros.
Esse novel entendimento acerca da correta classificação dos benefícios fiscais do ICMS como subvenção para investimento tem sido referendado pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais - CARF em suas decisões, conforme ilustrado em dois julgados recentes da Câmara Superior de Recursos Fiscais – CSRF, última instância administrativa:
ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA JURÍDICA (IRPJ)
Ano-calendário: 2011, 2012
INCENTIVOS FISCAIS DE ICMS CONCEDIDOS NO CONTEXTO DA ROTULADA “GUERRA FISCAL”. EQUIPARAÇÃO AO TRATAMENTO TRIBUTÁRIO DE SUBVENÇÃO DE INVESTIMENTO. ARTIGO 30 DA LEI Nº 12.973/14. LEI COMPLEMENTAR Nº 160/2017. EXCLUSÃO DO LUCRO REAL. LEGITIMIDADE. Uma vez demonstrado que os benefícios fiscais de ICMS concedidos em favor da contribuinte cumprem os requisitos previstos na Lei Complementar nº 160/2017 e no artigo 30 da Lei nº 12.973/2014, correta a manutenção do tratamento fiscal aplicável às subvenções para investimento, podendo, assim, as receitas dali decorrentes serem excluídas da base de cálculo do IRPJ e CSLL. (Acórdão 9101-006.113, CSRF/1ªTurma, sessão de 12/05/2022)
ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA JURÍDICA (IRPJ)
Ano-calendário: 2008, 2009, 2010
SUBVENÇÕES DE INVESTIMENTO. ADVENTO DA LEI COMPLEMENTAR Nº 160/17. APLICAÇÃO AOS PROCESSOS EM CURSO. ATENDIMENTO AOS ARTS. 9 E 10. BENEFÍCIO E INCENTIVO DE ICMS. REQUISITOS E CONDIÇÕES DO ART. 30 DA LEI Nº 12.973/14. PROVA DE REGISTRO E DEPÓSITO. CANCELAMENTO INTEGRAL DA EXAÇÃO.
O disposto nos artigos 9º e 10 da Lei Complementar nº 160/17 tem aplicação imediata aos processos ainda em curso, retroativamente em relação aos fatos geradores. Após tal alteração legislativa, a averiguação do efetivo cumprimento dos requisitos e exigências trazidos no Parecer Normativo CST nº 112/78, agora legalmente superado, é irrelevante para o desfecho da demanda. Dessa forma, a existência de sincronia e de vinculação entre o recebimento da benesse estatal e a sua aplicação nos empreendimentos privados não mais é elemento oponível aos contribuintes para fundamentar e manter exações de IRPJ e CSLL.
A Lei Complementar nº 160/17 subtraiu a competência das Autoridades de Fiscalização tributária federal e dos próprios Julgadores do contencioso tributário de analisar normativos locais e, consequentemente, de decidir se determinada benesse estadual ou distrital, referente ao ICMS, trata-se de subvenção de custeio ou de investimento.
A maior Autoridade do Poder Executivo, por meio de ato oficial, formal e público, dirigido ao Poder Legislativo, atestou, expressamente, que os arts. 9 e 10 da Lei Complementar, se promulgados fossem, iriam equiparar as subvenções meramente para custeio às para investimento. Após a efetiva promulgação de tais dispositivos, sem qualquer alteração ou adição ao seu texto - em razão da deliberada derrubada do veto presidencial - é necessário observar a mesma conclusão antes alcançada e dar o correspondente tratamento, como previsto, sendo tal consequência a legítima vontade do Legislador. Assim, à luz do §4º do art. 30 da Lei nº 12.973/14, veiculado pela Lei Complementar nº 160/17, para o reconhecimento de uma benesse estadual de ICMS como subvenção de investimento bastaria a sua devida escrituração em conta de Reserva de Lucros, podendo ser utilizada para a absorção de prejuízos (após o exaurimento dos demais valores, também alocados em Reserva de Lucros) ou para o aumento do capital social, sendo vedado seu cômputo na base de cálculo de dividendos obrigatórios e a sua redução em favor dos sócios, direta ou indiretamente, por outras manobras societárias. Tratando-se de subvenção, efetivada por benefício de ICMS, concedida por estado da Federação à revelia do CONFAZ e suas regras, uma vez trazida aos autos a prova do registro e do depósito abrangendo a benesse sob análise, nos termos das Cláusulas do Convênio ICMS nº 190/17, resta também atendido o art. 10 da Lei Complementar nº 160/17. (Acórdão 9101-005.850, CSRF/1ªTurma, sessão de 12/11/2021)
Em outro prisma, a discussão judicial chegou ao Superior Tribunal de Justiça – STJ, que firmou jurisprudência sobre o tema em 2018, no sentido de que a União não pode tributar os benefícios fiscais estaduais:
TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. ICMS. CRÉDITOS PRESUMIDOS CONCEDIDOS A TÍTULO DE INCENTIVO FISCAL. INCLUSÃO NAS BASES DE CÁLCULO DO IMPOSTO SOBRE A RENDA DA PESSOA JURÍDICA - IRPJ E DA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO LÍQUIDO - CSLL. INVIABILIDADE. PRETENSÃO FUNDADA EM ATOS INFRALEGAIS. INTERFERÊNCIA DA UNIÃO NA POLÍTICA FISCAL ADOTADA POR ESTADO-MEMBRO. OFENSA AO PRINCÍPIO FEDERATIVO E À SEGURANÇA JURÍDICA. BASE DE CÁLCULO. OBSERVÂNCIA DOS ELEMENTOS QUE LHES SÃO PRÓPRIOS. RELEVÂNCIA DE ESTÍMULO FISCAL OUTORGADO POR ENTE DA FEDERAÇÃO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO FEDERATIVO. ICMS NA BASE DE CÁLCULO DO PIS E DA COFINS. INCONSTITUCIONALIDADE ASSENTADA EM REPERCUSSÃO GERAL PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (RE N. 574.706/PR). AXIOLOGIA DA RATIO DECIDENDI APLICÁVEL À ESPÉCIE. CRÉDITOS PRESUMIDOS. PRETENSÃO DE CARACTERIZAÇÃO COMO RENDA OU LUCRO. IMPOSSIBILIDADE. (EREsp 1517492/PR, Rel. Ministro OG FERNANDES, Rel. p/ Acórdão Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 08/11/2017, DJe 01/02/2018)
De acordo com o julgado supra, os fundamentos de decidir se pautaram na violação ao princípio federativo, posto que ao exigir o IRPJ e CSLL sobre os valores dos benefícios fiscais concedidos pelos Estados membros, a União estaria interferindo na autonomia e invadindo a competência tributária daqueles de legislar sobre incentivos como instrumento de política fiscal. Além disso, estaria havendo, mesmo que indiretamente, uma anulação do benefício concedido pelo Estado, porque levaria ao esvaziamento do incentivo fiscal concedido.
Em complemento ao já firmado pela 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, a 2ª Turma do mesmo STJ decidiu, em sessão de 25/06/2019, por unanimidade, que as alterações trazidas pela Lei Complementar nº 160/2017, bem como a classificação ex lege do crédito presumido de ICMS como subvenção para investimento ou custeio são irrelevantes na determinação da exclusão do referido benefício fiscal da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, diante da fundamentação de violação ao Pacto Federativo insculpido na Constituição Federal, utilizada na uniformização da jurisprudência do STJ:
“6. Considerando que no julgamento dos EREsp. n. 1.517.492/PR (Primeira Seção, Rel. Ministro Og Fernandes, Rel. p/ Acórdão Ministra Regina Helena Costa, DJe 01/02/2018) este Superior Tribunal de Justiça entendeu por excluir o crédito presumido de ICMS das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL ao fundamento de violação do Pacto Federativo (art. 150, VI, "a", da CF/88), tornou-se irrelevante a discussão a respeito do enquadramento do referido incentivo / benefício fiscal como "subvenção para custeio", "subvenção para investimento" ou "recomposição de custos" para fins de determinar essa exclusão, já que o referido benefício / incentivo fiscal foi excluído do próprio conceito de Receita Bruta Operacional previsto no art. 44, da Lei n. 4.506/64. Assim, também irrelevantes as alterações produzidas pelos arts. 9º e 10, da Lei Complementar n. 160/2017 (provenientes da promulgação de vetos publicada no DOU de 23.11.2017) sobre o art. 30, da Lei n. 12.973/2014, ao adicionar-lhe os §§ 4º e 5º, que tratam de uniformizar ex lege a classificação do crédito presumido de ICMS como "subvenção para investimento" com a possibilidade de dedução das bases de cálculo dos referidos tributos desde que cumpridas determinadas condições.
7. A irrelevância da classificação contábil do crédito presumido de ICMS posteriormente dada ex lege pelos §§ 4º e 5º do art. 30, da Lei n. 12.973/2014 em relação ao precedente deste Superior Tribunal de Justiça julgado nos EREsp 1.517.492/PR já foi analisada por diversas vezes na Primeira Seção, tendo concluído pela ausência de reflexos.” (REsp 1605245/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, julgado em 25/06/2019, DJe 28/06/2019)
Portanto, diante do panorama atual apresentado, é possível concluir pelo direito à não tributação federal dos valores oriundos de benefícios fiscais do ICMS concedidos pelos entes federados, atendidos os pressupostos e requisitos legais trazidos pela Lei Complementar nº 160/2017 e pela Lei nº 12.973/2014, norteados pelas orientações jurisprudenciais, após aferição precisa, caso-a-caso, da situação fática jurídica, contábil e fiscal individual de cada empresa e de suas operações.
Nossa área de Direito Tributário permanece à disposição para esclarecimentos sobre este e outros temas de interesse de seus clientes e parceiros.
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